terça-feira, 7 de setembro de 2010

Sorriso Secreto

Caminhando por entre infindáveis abetos tentava manter-se abstraído daquela noite e daquele momento. Começou como outro dia qualquer, o Sol espreitando pela janela e sorrindo aos madrugadores, o pequeno galo cantando ao longe, entrecortado aqui e ali por um bocejo itenerante.
Levanta-se da cama e dirige-se à sua janela privada para o mundo. Tudo o que vê foi irreparavelmente apagado, ou pelo menos, alterado; e ainda bem! Talvez volte a ter aquele sentimento que o enterneceu e que, ao mesmo tempo, o retirou do mundo.
Ora caminhava ora descansava no seu tronco preferido, conhecia muito bem aquela prisão paradisíaca, quiçá bem demais... Foi num desses momentos que teve uma revelação divina sobre si; pela primeira vez em décadas sentia-se oprimido pela paisagem e reconheceu que a retórica que empregava tão avidamente era estoicamente observada pela vivacidade da sua alma em silêncio, condenando-se a um abismo social e moral. Foi nessa inebriante sensação, que a sua existência se tornou insólita e impávida, simultaneamente estimulada e rejeitada.
Olhando aquela realidade opaca percebeu que ninguém o iria salvar, era algo que precisava de ser ele próprio a fazer; tinha que ter forças para escalar aquele poço escuro como o breu se queria ter alguma hipótese, por mais ínfima que fosse, de sair daquela prisão.
Olhou para o alto dos abetos que lhe fustigavam a vista e, pegando numa borracha, começou a apagá-los uma folha a seguir à outra, um ramo a seguir ao outro, um tronco a seguir ao outro.
Abre os olhos; deixa entrar a luz da manhã dentro do seu quarto e, dando o primeiro passo rumo à vida, sorri para um quadro na parede, cada vez menos opaco, segredando-lhe a beleza jovial que estivera escondida:

"Ninguém sabe mas tu tens um sorriso secreto. Deixa alguém descobri-lo."

3 comentários:

Daniel C.da Silva disse...

Arrepiante de tao verdadeiro, de acontecer atnto. E BRUTAL. As imagens mentais que consegues trazem sempre tanta poesia... LINDO.

Um enorme abraço

Anónimo disse...

Gostei muito!

Por vezes deixamos muitos assuntos para trás, que, ficando por resolver nos atormentam mais tarde!
Até que vira o dia em que batemos o pé, e decidimos tomar nas nossas mãos o rumo da nossa vida!
É um sentimento poderoso de controle, pena que por vezes perdendo imenso tempo até nos apercebermos que temos tomar uma atitude!

Força!

A disse...

Olá, Bruce! :)))
Ainda bem que está de volta.
Texto belíssimo e que acaba por se revelar de grande actualidade, mesmo quando pensamos em realidades diversas das que são evocadas de imediato.

Um abraço.