segunda-feira, 6 de julho de 2009

Análise Literária I: Orgulho e Preconceito

Vou iniciar uma espécie de senda literária, onde pretendo analisar de uma maneira pouca profunda e, no entanto, abrangente os livros que vou lendo.

Irei emitir a minha opinião sobre os mesmos, na esperança de que a minha paixão pela literatura ajude alguém a interessar-se pela leitura e mais concretamente pelos livros que subjectivamente criticarei.

Assim começo por aquele que considero uma das obras primas do romance clássico e uma das minhas leituras preferidas:

Orgulho e Preconceito
de Jane Austen

Jane Austen escreveu este ímpar romance antes de completar 21 anos, entre 1796 e 1797 (os mesmos 21 anos que me envelhecem sem ter feito nada de extraordinário), foi a sua segunda obra publicada e a mais aclamada pelo público. É a jóia da coroa de uma colecção de pedras preciosas à espera de serem apreciadas, jóia essa moldada tão cedo na sua vida. É impressionante.

Inicialmente chamado First Impressions, viria depois a tomar o nome que todos conhecemos hoje em dia e que figura entre os Grandes Clássicos da literatura.

Orgulho e Preconceito retrata a vida em sociedade do século XIX, repleta de interesses e julgamentos de conveniência, contudo contrastando-a com uma rara, neste caso duas, amostras de afeição terna, sincera e verdadeira, capaz de ultrapassar valores plantados intrinsecamente nas fundações da comunidade. Estas verosímeis relações são como o clímax de todo um relato cuidado, próprio da época, aliando-se intimamente a escândalos e prevaricações, ainda hoje profundamente punitivas.

Devo dizer que quando decidi ler este livro, apesar de saber que fazia parte de um restrito grupo recheado de talento, não tinha grandes expectativas.

A verdade é que ao longo das primeiras páginas senti-me puxado para o meio das palavras tão cuidadosamente desenhadas e dei por mim lendo linha após linha, virando folhas e folhas num frenesim de interesse raramente experimentado por mim.

Com o desenrolar da acção fui-me sentindo cada vez mais intimamente ligado às personagens, observando com atenção e profunda devoção os seus comportamentos várias vezes inapropriados e outras tantas inesperados.

Eu costumo dizer que um bom livro é aquele que nos prende a atenção, mas um excelente livro - uma obra prima - é aquele em que à medida que lemos, acompanhamos as personagens no seu sofrimento, na sua felicidade, rimos com elas, choramos com elas, amamos com elas.

Eu ri-me desalmadamente, havia partes que dava por mim completamente absorto na leitura e rindo-me a plenos pulmões, outras havia que de tal intensidade com que sentia o enredo as lágrimas vinham-me aos olhos. Isto, para mim, e a minha opinião vale o que vale, é uma obra prima.

Deixo de lado a construção frásica, a capacidade estilistíca do autor, até excluo a consistência da obra, pois aquilo que visivelmente torna um manuscrito digno de menção é a capacidade de mexer com o nosso íntimo, aquele desejo explosivo que, na sua essência, quer a todo o custo, fazer parte do mundo, do amor, do prazer e até da tristeza que as palavras nos falam.

Jane Austen consegue isso na perfeição, é dos poucos livros em que me senti completamente inserido, avidamente absorvido na história e gritava poder renascer naquele pergaminho.


Nota: "Deixo de lado a construção frásica, a capacidade estilistíca do autor, até excluo a consistência da obra, pois aquilo que visivelmente torna um manuscrito digno de menção é a capacidade de mexer com o nosso íntimo"

Não quero com isto diminuir a importância da língua, pois ela é o veículo que transporta a beleza das palavras, nem tão pouco afirmar que tudo o que um livro necessita para ser obra-prima é possuir a capacidade de mexer com o íntimo.

Pretendo sim testemunhar que para mim, um homem, que não se sente geralmente (nem pouco mais ou menos) inserido na história contada por inúmeros livros já lidos, este que o conseguiu merece a minha menção e, ainda mais, a sua capacidade para o fazer.

4 comentários:

Xuxy disse...

Tal como muita gente, só ainda vi o filme! mas já estou para o ir buscar à biblioteca quando tiver tempo. Não só esse mas também outras obras dela.

Bjs*

C. disse...

“Deixo de lado a construção frásica, a capacidade estilistíca do autor, até excluo a consistência da obra, POIS AQUILO QUE VISIVELMENTE TORNA UM MANUSCRITO DIGNO DE MENÇÃO é a capacidade de mexer com o nosso íntimo”

Tenho todo o apreço pela análise e pelo testemunho que dá da sua leitura. O livro é realmente bom.
Todavia, o seu posicionamento suscitou-me alguma reflexão: e o que é que, no nosso íntimo, se deixa “afectar” por um livro?

É que se for SÓ desejo de encontrar o que já se conhece, tudo é, apenas, um jogo de mimetismo – vai-se buscar para ler apenas aquilo que não introduz nenhum elemento de estranheza. Procura-se o livro que faz rir ou que faz chorar mas que fala daquilo que a gente já conhece. Aliás, há imensos livros que são feitos para corresponder a esse tipo de emoções do leitor. São livros que anestesiam, mas não trazem nenhuma mais-valia. E aquilo que não provoca nem a mínima transformação... de que serve?
E de que serve, para a literatura enquanto arte da palavra, um livro que vende triliões mas cujo registo não vai além dos jargões e frases banais do quotidiano?
E olhe que não sou um purista da língua. Mas não se pode falar de obras-primas se o que lhes dá esse estatuto não for um aturado e criativo labor da língua em que é escrito.
Por acaso, a tradução da Jane Austen nem é nada má.

Um abraço.

Bruce disse...

Primeiramente agradeço a sua mensagem e espero que volte.

De facto tem razão quando diz que para um livro ser uma obra-prima deve rasar a perfeição em todos os campos da literatura, sendo que o cuidado e tratamento da língua em que é escrito não deve ser descurado. Devo portanto acrescentar uma errata dizendo isso mesmo, para esclarecer o assunto apresentado, pois longe de mim considerar um livro que tenha somente frases banais e quotidianas uma obra-prima, era um atentado ao meu gosto pela literatura.

O excerto que apresentou pode levar a algumas conclusões que não procurei, com ele, transmitir, é certo, mas a intenção não era a de diminuir a língua como forma de expressão, de todo; era sim de enfatizar a importância (que do meu ponto de vista conta muito) da capacidade da história "tocar" no leitor, exactamente pelo facto de não sentir isso, arrisco dizer, por mais de dois ou três livros que, durante a minha curta vida, li.

Contudo, atente que nada invalida a subjectividade do comentário ao livro mencionado e, reforço, não considero que haja livros banais, com linguagem banal, que me consigam absorver na sua história e, talvez por isso, existem casos de livros considerados muito bons, que eu simplesmente, não consigo tolerar uma linha que seja.

Concordo ainda que um livro é um projecto conjunto de inúmeras artes e sapiências, mas sendo todas elas importantes há umas mais importantes que outras; isto é, certamente, variável de pessoa para pessoa, de personalidade para personalidade e de gosto para gosto, daí que as análises têm por base, essencialmente, uma subjectividade difícil de abstrair e impossível de uniformizar.

Quanto à tradução não posso realmente opinar sobre a sua qualidade, pois não tive o prazer de ler a obra em inglês...

Abraço

C. disse...

Tem toda a razão: há livros "canonizados" considerados geniais, de que eu também não consegui ler mais de umas folhas. Será sempre questão de literatura e da arte saber "quando" é arte ou "quando" é literatura.:-)
Esta questão é interessante porque nos faz pensar em frases como: Ah! É boa poesia!
Como se a "boa poesia" só pudesse ser o que se equivale "àquilo de que se fala". Enfim...

Outro abraço. E voltarei, sim.